domingo, 15 de agosto de 2010

Silêncio: rompa-o

Para muita gente, dormir num hotel é rotina. Já para mim, é algo novo. Aquela sensação de liberdade, de ser dono do próprio nariz, acaba vindo à tona num momento ou em outro. Mas, pra quem está acostumado a sempre ter alguém por perto, ver-se sozinho num quarto pequeno, sem muito o que fazer, é absolutamente tedioso. Hotel é maçante. Ainda bem que o café-da-manhã em conjunto existe, senão eu iria pirar. Detesto tomar café sozinha. Pode ser que as demais pessoas estejam numa mesa do outro lado do ambiente e nem olhem na minha cara, mas ao menos não estou sozinha ali, certo?

Descobri, com isso, que não suporto ficar sozinha por muito tempo. Descobri, também, que sei me comunicar com facilidade com pessoas desconhecidas. E descobri que falar um pouquinho mais pode resolver algumas situações. É tudo questão de se usar esta maravilhosa máquina que nos foi dada, uma das mais incríveis e importantes ferramentas do ser humano: a fala. É claro que não precisamos ser tagarelas, maritacas, linguarudos. Gente que fala pelos cotovelos acaba engolindo mosquito. Mas afundar-se no silêncio não é bom para ninguém - muito pelo contrário, aliás.

Com o avanço da tecnologia, as pessoas têm ficado cada vez mais quietas. Em uma viagem de ônibus, muitas se isolam em seu casulo musical e deixam a playlist de seu mp3 rodando em seus ouvidos enquanto tem alguém ao seu lado que poderia , quem sabe, se tornar seu amigo. Conversar pela internet também nos deixa mais calados. A não ser que você use web-cam e microfone em todas as suas conversas. Mesmo assim, nada se compara a um bate-papo real, o chamado olho-no-olho.


Pensando nisso tudo, acabei por me lembrar de um texto que Lya Luft (foto) escreveu para a Revista Veja (Coluna Ponto de Vista, ed. nº 2005, 25/04/2007, p. 24):



"A alma do outro é uma floresta escura", disse o poeta Rainer Maria Rilke. [...]

Nem todos os mal-entendidos, mágoas e brigas se dão porque somos maus, mas por problemas de comunicação. Porque até a morte nos conheceremos pouco, porque não sabemos como agir. Se nem sei direito quem sou, como conhecer melhor o outro, meu pai, meu filho, meu parceiro, meu amigo – e como agir direito?

[...]

Pensar sobre a incomunicabilidade ou esse espaço dela em todos os relacionamentos significa pensar no silêncio: a palavra que devia ter sido pronunciada, mas ficou fechada na garganta e era hora de falar; o silêncio que não foi erguido no momento exato – e era o momento de calar.

Mas [...] a gente não sabia. É a incomunicabilidade, não por maldade ou jogo de poder, mas por alienação ou simples impossibilidade. Anos depois poderá vir a cobrança: por que naquela hora você não disse isso? Ou: por que naquele momento você disse aquilo?

Relacionar-se é uma aventura, fonte de alegria e risco de desgosto. [...]

[...]

Somos todos pobres humanos, somos todos frágeis e aflitos, todos precisamos amar e ser amados, mas às vezes laços inconscientes enredam nossos passos e fecham nosso coração. [...]

Cabe a cada um de nós decidir, e isso exige auto-exame, avaliação. Posso dizer que sempre vale a pena, sobretudo vale a pena apostar quando ainda existe afeto e interesse, quando o outro continua sendo um desafio em lugar de um tédio, e quando, entre pais e filhos, irmãos, amigos ou amantes, continua a disposição de descobrir mais e melhor quem é esse outro, o que deseja, de que precisa, o que pode – o que lhe é possível fazer.

[...] Não há receitas a não ser abertura, sinceridade, humildade que não é rebaixamento. [...]

Seja como for, com alguma sorte e boa vontade a alma do outro pode também ser a doce fonte da vida".

Fonte: Revista Veja Online - Ponto de Vista - Lya Luft


O texto é tão verdadeiro que sinto uma dorzinha no peito quando leio. Diferentemente do que comentei no início do texto, a autora se refere à comunicação entre pessoas próximas - pais, amigos, irmãos, amantes. Mesmo assim, se nos dispomos a conversar com alguém que nunca mais veremos outra vez e nos interessamos pelas coisas que ela nos diz, muito maior deveria ser nosso interesse em ouvir o que aquelas pessoas que nos cercam rotineiramente têm a dizer. Contudo, isso raramente acontece exatamente porque nos acostumamos a elas e achamos que as conhecemos. É aquela velha história: o novo é o que nos interessa. O desconhecido é que nos excita. De qualquer forma, se não conhecemos de fato as pessoas que nos rodeiam, elas são desconhecidas. Sendo assim, deveríamos nos motivar a conhecê-las antes que não estejam mais por perto...

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