terça-feira, 11 de maio de 2010

Meu dente de bandeirinha-de-são-joão

Minha família era mais reunida quando a bisavó era viva. Nas festas de final de ano, era sempe a mesma coisa: a véspera de natal era na casa dos meus tios daqui da cidade e o dia de natal era na casa da bisavó em Cambira.

A bisa Sebastiana, mais conhecida como Bastiana, viveu seus 80 e poucos anos. Lembro quando ela fez 80. A festa foi animada e ela tava toda feliz atrás do bolo. E aí foi foto com os filhos, com as noras, com os netos, com os bisnetos...

A família do lado do meu pai é uma mistura de italianos com africanos, então imagina a fuzaca! A vó da minha bisa veio da África - acho que é isso, se não for, é a mãe dela quem veio então. Só sei que sim, eu tenho um pé na senzala. Meu cabelo cacheado e minha cor indefinida veio daí.

Com todo aquele banzé, eu e minha irmã, sempre quietinhas como dois bichinhos assustados, ficávamos no cantinho brincando ou então grudadas na mãe ouvindo as conversas sobre crochê, tricô e culinária. Já os primos não. Eram todos uns pestinhas que não paravam de correr e gritar.

Certa vez foi feito um almoço na casa de uma prima lá do meu pai, de Cambira mesmo. A casa era grande, com um quintal quadrado com máquina de lavar e varal para secar as roupas e um retangular e comprido com mesas e churrasqueira, os dois separados por um corredor aberto e longo. Os primos e as primas, todos de idades aproximadas, como sempre não conseguiam ficar no lugar.E aí resolvemos brincar de cabra-cega (ou cobra-cega, tanto faz).

Fomos até a varanda quadrada, parecia um bom espaço para a brincadeira. Quando foi minha vez de tapar os olhos com uma venda, lembro até hoje de avisá-los de que a brincadeira só ia "valer" ali naquela varanda e que não era pra ir até a garagem. Bom, a passagem para a garagem, que dava para a rua, era uma pequena escadinha de uns 2 ou 3 degraus. Aviso dado e olhos vendados, me rodaram pra que eu perdesse a noção de onde estava e a brincadeira começou.

Tal brincadeira consiste, basicamente, em tapar os olhos de uma pessoa, rodá-la e sair correndo pra que ela não pegue você. Aí você pode brincar com ela, cutucando e saindo de perto rapidamente, só pra aporrinhar. Se a pessoa vendada conseguir pegar alguém, ela passa a vez de ser vendada à pessoa capturada. Muito simples, han?

É, mas a adrenalina corre solta nessas brincadeiras de captura. Eu ali, com os braços estendidos e olhos vendados, rodopiando feito barata tonta no meio da varanda e todos os outros em volta gritando "tá frio", "tá quente". Só sei que consegui agarrar alguém. Peguei pela camiseta e o ser começou a correr e eu atrás, segurando, e de olhos ainda vendados. De repente, perdi o chão e caí de cara. Pronto, a merda estava feita. Tirei a venda e nisso tava todo mundo vindo ao meu encontro. É, eu tinah avisado que não valia ir pra garagem! Que droga, ninguém me escuta! Fiquei lá esbravejando e olhando pro farelinho que havia se formado no chão. Era meu precioso dente incisivo, já permanente. Minha prima me ajudou a levantar e me levou até o quarto dela. Estavam todos tensos e não sabiam o que fazer. E eu, temendo levar uma bela bronca, resolvi esconder a cagada da minha mãe. Toda vez que a gente caía, ela corria ver nossa boca. Então presumi que se ela visse meu dente da frente quebrado, ela me daria uma bela surra. Cabeça de criança, né, vai entender.

A brincadeira acabou ali e eu fiquei de boca fechada o resto do dia. Fomos embora. Não me lembro se foi no mesmo dia ou no outro quando minha mãe finalmente viu o estrago. Estávamos nos preparando para sair, escovando os dentes uma ao lado da outra e em frente o espelho. Enquanto tinha espuma na boca, beleza. Mas aí alguém falou alguma coisa engraçada e nós rimos. Fim do segredo, revelado por uma piada. Minha mãe chorou ao ver aquilo. Bom, pelo menos eu não apanhei.

No ano seguinte, aos 12, comecei a usar aparelho nos dentes, o que foi uma salvação pra mim, porque escondia bem aquele meu dente de bandeirinha-de-são-joão. Convivi com ele até meus 16 anos, quando finalmente tirei os aparelhos. A dentista arrumou o dente quebrado assim que tirou os ferrinhos. Voilá: sorriso perfeito. Bom, mas a essa altura a miopia já estava avançada e eu tive que passar a usar óculos. Ô vida cruel.

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